Sobrou pras muriçocas do bairro de Fátima.
Hoje elas são avós de netos, senhoras respeitáveis na vizinhança e não demonstram em nada aquilo que foram no passado.
Algumas estão aposentadas.Outras são silenciosas professoras ou funcionárias públicas ou até evangélicas fervorosas, dessas da Igreja Universal do Reino de Deus. Mas no meu tempo de infância, em Parnaíba, eu lembro igualzinho como se fosse hoje, daquelas moças no bairro de Fátima. Pelas peraltices que aprontaram e que por isso foram apelidadas de muriçocas.
Peraltices digo, desse negócio de serem moças alegres que gostavam dos famosos bazares por tudo quanto era canto da cidade a partir da sexta-feira à noite. Foram as precursoras das de hoje garotas de programa. Elas realmente eram muito bonitas, umas três ou quatro e algumas até irmãs de sangue e de teto. Essas meninas aterrorizavam a vida das famílias com suas atitudes, pra época, liberais, atrevidas. Não tinham nome na ponta da língua ferina de muitas senhoras. Raparigas era o apelido mais leve.
Mas hoje olhando pra aquilo que fizeram as muriçocas, essa liberdade de sair à noite pras festas e voltarem pra casa de madrugada andando nas pontas dos pés, elas não fizeram foi porra nenhuma em relação ao que hoje fazem certas moças, muitas delas tidas e havidas como estudantes aplicadas, netas lá atrás daquelas senhoras faladeiras da vida alheia e que agora estão queimando a língua. E se a Igreja se compadecer de suas almas, elas podem ser perdoadas pelo muito que fizeram de errado.
As muriçocas do bairro de Fátima, pras famílias daquela época, eram o terror vestindo minissaias. Gostavam mesmo era de saber onde havia de ter uma festa. Pelo que se sabe, fumavam cigarros comuns, bebiam, quando muito uma cuba libre ou uma vodca. Adoravam quem tinha um carro do ano e muitos cruzeiros na carteira. Foram acusadas muitas e muitas vezes de terem desencaminhado mocinhas recatadas e de dentro das salas de catecismo. Meninas de treze pra quatorze anos.
Meninas que viviam com medo do cinturão do pai e do olho de caboré da mãe. Muitas vezes as muriçocas foram acusadas injustamente. Porque segundo a sabedoria dos mais antigos, quando o espinho quer furar de pequeno já mostra a ponta. As muriçocas eram tudo isso e muito mais. Mocinha era flagrada passando batom nos beiços? Culpa das muriçocas. Outra encurtava a saia de farda pra aparecer as coxas e o fundo das calças? Culpa das muriçocas. Aquela lá era pega com um bilhete do namorado dentro dos peitos?
Coisa aprendida com as muriçocas. Se alguma mocinha aparecia em casa de barriga grande? Muriçocas, só pode. Ah tempo velho sem vergonha! Ah, línguas do cão! Davam elas conta da Parnaíba toda a partir de sexta-feira à noite. Desde o Macacau até os Tucuns, hoje bairro São José, passando pela Guarita, Campo da Burra, Coroa e se vacilassem elas atravessavam o rio Igaraçu e ganhavam a Ilha Grande de Santa Isabel.
Pois agora as muriçocas voltaram à cena. Não aquelas meninas alegres do bairro de Fátima, precursoras da luta pelos direitos civis e da emancipação da mulher em Parnaíba nos anos de 1970. Deve ter sido muita luta daquelas meninas lutarem contra tudo e contra todos por liberdades de costumes, inclusive sexual, numa Parnaíba onde as mulheres
ainda dormiam de anágua por debaixo do chambre. Bem que as muriçocas hoje mereciam uma avenida com seus nomes ou até mesmo uma praça com estátua de bronze e tudo.
Mas quem entrou no noticiário nacional pelo lado da saúde foi o inseto muriçoca. Aquele que enche o saco cantando no seu pé do ouvido quando você está quase dormindo e que na Coroa, hoje bairro do Carmo, entra na boca da gente. É que as pesquisas da eficiente Fiocruz estão apontando que estes insetos podem também transmitir um tipo de vírus da zika que pode provocar a microcefalia. Se for verdade, estamos lascados na Parnaíba. Mas eu nem havia fechado a boca quando pelo lado político fiquei sabendo da confusão envolvendo o Lula, a muriçoca maior do PT. Pelo menos dessa vez as muriçocas do bairro de Fátima estão livres.
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